esse texto pode ser sensível pra pessoas que, assim como eu, esqueceram o tom de voz de alguém que já morreu. leia com cuidado.
eu não sei se comentei isso com vocês, mas quem me acompanha há algum tempo sabe que meu pai se foi em 2019. nós estávamos afastados, eu pensei em ligar pra ele, e no dia seguinte me deparei com a notícia do seu falecimento. eu fui assaltada no velório, perdi a carteira com todos os documentos e um pouco de dinheiro, mas hoje eu vejo que nada disso é tão ruim quanto ter esquecido o tom de voz dele.
eu estou escrevendo sobre isso com o coração aberto e sem revisar as palavras, pois venho pensando nisso desde que me deparei com um vídeo dele. Foi um entrevista em que ele contava da vida e cantava uma música no final. eu fui pega de surpresa. eu não me lembrava da expressão que ele fazia durante a fala, dos olhos pequenos, do sotaque meio paulista, meio mineiro.
foi estranho assistir o vídeo porque ele parecia bem. foi como se eu pudesse ligar e dizer: oi, pai! eu adorei o seu vídeo, depois vem aqui em casa tomar um café.
a realidade apareceu quando eu abri os comentários e várias pessoas dizendo que sentiam uma saudade eterna. eu engoli o choro, como sempre faço e parei de assistir. mostrei o vídeo para a minha esposa, ela ouviu com atenção e eu só reparei no tom de voz, dessa vez. ele cantou no final e isso foi como estar muito, muito perto do nosso passado feliz. um em que rolava churrasco e violão.
eu descobri que o que dilacera o coração de quem fica é sentir que algumas lembranças estão indo embora. tanto pelo tempo, quanto pelo excesso de telas. eu sabia como ele atendia o telefone, eu me lembrava de como chamava meu nome e até do tom das nossas discussões bobas. eu lembrava dos nossos momentos juntos e de como ele me inseriu na arte (mesmo sem querer) quando me deixava por horas e horas colocando cifras nas musicas. agora, esses detalhes são grãos de areia que escorrem entre os meus dedos.
é por causa disso que tenho pensado tanto em quanto é importante viver verdadeiramente os momentos. reparar nos olhares das pessoas que eu gosto, em como elas falam, nas suas manias divertidas e em como me fazem bem. eu quero olhar mais nos olhos, ouvir as histórias delas e dar um conselho que talvez não sirva pra nada. ou não falar nada. de toda essa dor dos últimos dias, esse desejo é o que eu quero levar comigo.
eu sei. esse texto tá doendo por aqui também.
até a próxima
Liv, a afrocaminhão.
você é incrível, te admiro muito, obrigado por compartilhar isso!