quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda. - VPFDM #6
Absolutamente tudo que está na minha cabeça essa semana. Peço perdão. Ou não.
O título é uma música do Gonzaguinha e o trecho inicial define a newsletter de hoje.
Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda
Que, palavra por palavra, eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca, peito aberto, vou sangrando…
Dito isso, caminhonetes, eu abro mão de escolher o que dizer hoje, tá? Não quero esperar o melhor momento para escrever as palavras e também já chega de corrigir a escrita até desistir de publicar o texto. Já aviso que isso tudo é um amontoado de silêncios acumulados. Se você sentir que nos conectamos, fala comigo aqui. Ficarei feliz em ler.
É, eu vou deixar pra lá essa suposta calma e confessar que é desesperador continuar não me encontrando em capas de livros. Será mesmo que a imagem de uma mulher caminhoneira, gorda e negra na capa de um livro é tão espantosa assim? Começo a pensar que sim e esse pensamento me deixa com raiva. Tanta raiva que tenho vontade de publicar um livro atrás do outro. Todos que eu gostaria de me enxergar, pelo menos uma vez. É lamentável. Era lamentável em 2019, quando publiquei Dandara e Cecília pela primeira vez, e continua lamentável em 2025. Nada mudou. É necessário colocar mulheres caminhoneiras negras e gordas em capas. É preciso contar mais histórias sobre nós.
Sabe o que mais passa pela minha cabeça?
É triste demais ver como a maioria está em cargos horríveis. Os empregos que sobram pra boa parte são aqueles em que não aparecemos, que pagam mal. Vou contar um segredo sobre mim: Eu nem cogitava fazer faculdade de Gestão de Recursos Humanos, sabia? E sabe o motivo? É porque a imagem do RH sempre é guiada por mulheres brancas, magras e femininas. A voz mais doce possível. A simpatia além da conta. Ainda tenho medo de ser julgada por não ter o “fit cultural” que o cargo merece. Todo mundo sabe qual é a merda desse “fit cultural”. É por causa desse argumento desonesto que nem nos cogitam nas boas vagas. É, eu tenho muito medo, mas sinto tanta raiva pela dinâmica doentia que foi estabelecida nesse meio corporativo, que pegarei o meu diploma.
Boa parte de mim é feita de afeto e a outra é pura fúria. Inclusive, acho que é a raiva que me organiza também. É tudo tão revoltante que quero fazer o que estiver ao meu alcance para:
Amar e ser amada da maneira mais saudável possível
Escrever sobre as caminhoneiras negras.
Falar sobre empregabilidade de caminhoneiras negras quando estiver capacitada pra isso.
Sonhar o máximo possível. Sonhar é permitido pra gente.
Não me calar nunca mais diante de tanta conversa torta.
O meu silêncio é vantajoso pra algumas pessoas e é assim que tudo continua do mesmo jeito, sem intenção de melhora. É no silêncio que as microagressões seguem a todo vapor. É no silêncio que continuo preocupada em entrar nos banheiros femininos, ser parada por policias ou sei lá o quê. Todo meu desespero ocorre dentro desse silêncio que só prejudica uma pessoa: a mim.
Eu tinha me cansado de ser repetitiva, mas, pelo visto, o lance é ser um disco riscado mesmo. Falar até que entendam: nós existimos.
Meus novos trabalhos vão trazer o que deixei de falar nos últimos anos. Quem não quiser escutar que não cruze comigo pelo caminho ou alguém vai se incomodar. Pode ter certeza que não será eu.
Não mais.
Até o próximo grito.
Se tá incomodando, é porque tá trabalhando direitinho! Sua voz importa e MUITO 💙