Essa é a nossa primeira conversa, por isso, quero iniciar dizendo que se você se identificar com as minhas palavras de hoje, saiba que te entendo, te acolho e ainda digo: a culpa não é sua.
Dito isso, bora prosear?
Eu sempre me sentia mal quando voltava da balada, mas isso não é sobre aquele papo de se sentir vazia por ter ficado com um monte de gente e tal. É que a experiência sempre foi diferente demais pra mim, de um jeito bem negativo. Minhas amigas se divertiam tanto, beijavam na boca de outras garotas e eu nunca era a opção de ninguém. Sempre fui considerada a mais gente boa do rolê, que fazia todo mundo rir até chorar, mas nunca a que despertava um mínimo interesse nas outras meninas.
Pois é, e aí o fim era sempre o mesmo, sabe? Eu terminava a noite sentada em algum canto, sozinha, questionando a minha beleza. Na verdade, já que estamos por aqui, vou ser bem sincera com você. O que existia dentro do meu peito era um ódio gigantesco de mim. Até perguntava pro universo o motivo de eu não ser mais clara, mais magra, mais feminina. Tudo parecia uma piada de mal gosto.
Lembro da menina que me beijou e disse que não era pra eu contar para outras pessoas. Por muito tempo fui o segredo de alguma mulher, a que não era assumida publicamente. Era de uma solidão absurda.
Costumo dizer que não aproveitei quase nada dos meus 20 e poucos anos. Era pra ser uma fase divertida da vida, só que eu me sentia diferente das outras mulheres lésbicas da minha cidade, eu não me conectava nem com as desfeminilizadas. Comecei a ficar desconfortável nos lugares que deveriam me trazer o sentimento contrário e cada vez mais era nítida a certeza de que não existia mesmo um lugar pra mim.
Quem me queria nessa época, só me via de uma maneira sexualizada. Meu Deus, como eu ficava mal com isso. A menina que eu fui só queria um colo, mas isso não era uma possibilidade porque mulheres desfeminilizadas precisam ser boas de cama e duronas, segundo o que muitas pessoas ainda repetem por aí na internet ou na vida real.
Nenhuma mulher desfeminilizada e/ou negra é durona porque quer, a vida nos obriga e depois fica difícil lembrar da nossa versão que não era assim.
Só agora nos meus 30 anos que eu me perdoei completamente por me odiar tanto e por tanto tempo. A minha ficha finalmente caiu e eu vi que a minha própria revolução é fazer o movimento contrário do que esperam de mim. Parei de me sentir mal com a lembrança de não ser desejada por aquelas mulheres, comecei a compartilhar minhas vivências com garotas parecidas comigo e vi que nossas histórias são parecidas. Coloquei na minha cabeça, com muita terapia e conexões, que o problema não sou eu. Nunca foi.
O racismo é o maior culpado pelos pensamentos terríveis que constrúimos ao nosso próprio respeito.
Então, sempre que me vem o pensamento de “Será que eu sou tão feia assim?”, a resposta na sequência, é que “não, eu não sou. Me fizeram acreditar que sim”.
A sociedade deseja muito que a gente se odeie, dos pés à cabeça, mas quero fazer um combinado contigo:
Não vamos dar esse prazer pra ela, combinado?
Um abraço apertado de uma mulher de 30 anos que demorou mais de 10 para se amar, mas que está aqui para que você não espere tudo isso.
Afrocaminhão.
Não sei se fico triste ou feliz por me identificar???? Mas, que bom que estamos nessa prosa, caminhando juntas pra construir esse espaço em que é seguro ser quem a gente quer ser. Obrigada por compartilhar ❤️
Gente, que texto incrivel!